Defensivos agrícolas piratas representam 10% do mercado Produtos falsificados podem conter gelatina, corantes de sorvete, cal e substâncias cancerígenas Destaque

Escrito por  ALEXANDRE LEORATTI Set 13, 2018

Consumidores preocupados com o excesso de agrotóxicos nos alimentos fizeram florescer nos últimos anos um mercado de alimentos orgânicos que cresce até 30% ao ano e já fatura R$ 3 bilhões por ano. O que muitos destes consumidores talvez ignorem é que há algo pior do que excesso de agrotóxicos nas plantações acontecendo. Muitos produtores rurais têm se utilizado de defensivos agrícolas piratas para ter uma lucratividade mais alta.

E não são poucos. Segundo um levantamento do Fórum Nacional Contra a Pirataria (FNCP), o mercado ilegal de defensivos agrícolas movimentou R$ 3 bilhões em 2016, o que representa praticamente 10% de todo o mercado legal do setor.

São considerados piratas defensivos que não possuem registro obrigatório nos órgãos responsáveis (Ministério da Agricultura, Anvisa e Ibama) ou feitos em fábricas de fundo de quintal com rótulos e embalagens que imitam um produto verdadeiro.

Segundo o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para defesa Vegetal (SINDIVEG), nos últimos dois anos foram identificados 161 casos de falsificação de defensivos agrícolas. Foram identificadas fábricas clandestinas em 15 estados do país, sendo que a maior parte delas estava localizada em São Paulo.

Os agrotóxicos piratas costumam ser fabricados e vendidos por quadrilhas que também atuam em falsificações de produtos de outros mercados e, o que é pior, parte destes grupos criminosos também atua no tráfico de armas e drogas.

De acordo com Silvia Fagnani, diretora executiva do SINDIVEG, os defensivos agrícolas piratas normalmente apresentam 10% de princípio-ativo, que são os compostos utilizados para a atuação do agrotóxico na lavoura, e os outros 90% são compostos por impurezas. Quanto menos impurezas, é claro, maior será a qualidade do defensivo.

Segundo Silvia, as substâncias e produtos usados para compor os defensivos piratas são variados. O uso deste tipo de produto na plantação pode além de não controlar as pragas, gerar a perda de toda a lavoura.

“Já encontramos situações em que colocaram gelatina em pó, outros que foram compostos somente por solventes. Os criminosos usam qualquer artifício, não há compromisso com a qualidade. Em alguns casos, o produto é composto somente por água, por exemplo. Eles só querem dinheiro fácil”, afirmou Silvia. De acordo com o monitoramento do SINDIVEG, os defensivos agrícolas piratas já representariam quase 20% do mercado do setor.

O caminho do contrabando
A maior parte dos defensivos piratas entram no Brasil depois de uma escala em países vizinhos como Paraguai, Uruguai e Bolívia. Defensivos que têm origem na China e Índia entram na América do Sul pelo Chile.

Normalmente, estes produtos possuem registro nestes países, onde, portanto, entram de forma de legal. Mas, como não possuem registro no Brasil, se tornam piratas quando cruzam as nossas fronteiras. Segundo especialistas ouvidos pela reportagem, os critérios e também o custo de registro dos países vizinhos para registro deste tipo de produto são muito mais baixos do que os brasileiros.

Além do prejuízo econômico e na saúde, Silvia afirma que parte dos compradores de defensivos piratas acabam tendo suas propriedades assaltadas. “O contrabandista entra na propriedade e já consegue identificar detalhes do local”, disse.

Impacto na saúde
Para Flávio Zambrone, médico toxicologista e presidente do Instituto Brasileiro de Toxicologia (IBTox), há diversos produtos não autorizados que acabam sendo usados nos defensivos agrícolas irregulares.

Segundo Zambrone, são comuns substâncias como nitrosaminas e os derivados de benzenos, ambas cancerígenas. Essas substâncias fazem parte de uma estratégia de fabricação que aumenta a impureza dos defensivos para baratear o custo do produto.

“Além do risco da exposição do resíduo no alimento, os trabalhadores do campo têm uma exposição maior. O produto pode cair na pele, há o risco de inalar as substâncias. As chances de desenvolver doenças crônicas, câncer, lesões de pele e olhos é maior”, afirmou Zambrone.

O médico acrescenta que muitos dos produtos são vendidos para agricultores sem um controle de qualidade. “Quando há existência de produtos que não são controlados é difícil saber o que está contido no defensivo agrícola”, disse.

Como recomendação aos trabalhadores do campo e aos consumidores, Zambrone elenca alguns cuidados para minimizar a chance de exposição a um produto submetido a defensivos irregulares: lavar bem os alimentos, retirar as cascas, variar os fornecedores e não comer sempre os mesmos alimentos.

“Lavoura Limpa”
Em dezembro de 2014, a operação “Lavoura Limpa” realizada pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (GAECO) do Ministério Público, na cidade de Franca, em conjunto com a Polícia Civil, desarticulou uma quadrilha adulterava agrotóxicos na região.

Segundo Rafael Piola, um dos promotores que atuou no caso, a quadrilha atuava em três núcleos. Cada um contava com um chefe, gerente de produção e funcionários encarregados de produzirem os agrotóxicos piratas. Foram identificados vários fornecedores de materiais empregados nas falsificações (galões, lacres), gráficas (rótulos, bulas) e transportadores dos produtos que prestavam serviços para os núcleos da quadrilha.

“Apurou-se que os três núcleos estavam subordinados a uma única pessoa, que comandava todo o esquema. A organização criminosa funcionava como uma empresa criminosa”, afirmou Piola. As 31 pessoas presas na operação foram condenadas.

Durante as investigações, foi apreendida uma grande quantidade de defensivos agrícolas falsificados. “Foram dezenas de toneladas. A quantidade foi tão grande que não foi possível computar o número exato”, afirma o promotor Piola. Também foram encontradas notas fiscais falsas com a intenção de aparentar legalidade no transporte dos produtos, que eram fabricados em chácaras alugadas.

“A organização criminosa adquiria matérias-primas em cidades como Ribeirão Preto e Araxá, no estado de Minas Gerais, e contava com gráficas especializadas para a falsificação dos rótulos e adesivos para as embalagens dos produtos adulterados”, diz Piola.

48 mil litros de agrotóxicos piratas
A Polícia Civil de Igarapava também realizou uma operação contra defensivos piratas em 2015 que apreendeu 48 mil litros de produtos piratas. O delegado do caso, Jucélio de Paula Silva Rego, afirmou que os produtos apreendidos possuíam diferentes tipos de falsificação. Parte deles apresentava mistura de diversas substâncias juntas. Outra parte do produto não possuía nenhum tipo de princípio ativo.

Segundo o delegado, os defensivos eram feitos de forma artesanal no fundo de casas. “Eram todos estabelecimentos de fachada. Os produtores que foram prejudicados com os defensivos piratas apresentaram as notas fiscais de compra. Fomos conferindo os locais e as referidas empresas não existiam”, afirmou o delegado.

O delegado acrescentou que além do defensivo agrícola, os contrabandistas também falsificavam embalagens e rótulos do produto. “Quem compra só tem o conhecimento que o produto é falsificado na colheita”, disse.

Uma das principais substâncias usadas pelos contrabandistas nos produtos apreendidos foram corantes de sorvete e cal, usado em construções. As substâncias eram utilizadas para dar textura ao produto falsificado.

“Os produtores rurais têm que observar se o valor do produto é o praticado pelo mercado, verificar a aparência do defensivo, confrontar nota fiscal para verificar a origem da empresa, pesquisar na internet se a empresa ainda está ativa e verificar os rótulos e embalagens”, recomenda.

Prejuízo
Para Renato Seraphim, presidente da Albagh Brasil, empresa que produz defensivos agrícolas, o contrabando de agrotóxicos gera diversos tipos de perdas para a empresa e para a sociedade. “ Não estão só retirando nosso lucro. Esse produto ilegal que usam acaba retirando empregos do mercado. Eu poderia estar empregando mais pessoas, estaríamos pagando mais tributos e impostos para o governo”, afirmou.

Segundo Seraphim, a Albagh Brasil adotou uma estratégia comercial para tentar evitar o contrabando e diminuir possíveis prejuízos. “Temos campanhas que são feitas para alertar o agricultor sobre o perigo de usar estes produtos que não passam por testes de qualidade”. Seraphim também explica que a empresa reduziu o número de distribuidoras de seus produtos para ter maior controle das vendas de defensivos.

O presidente acrescenta que 70% dos agrotóxicos compostos de benzoato de emamectina, usado contra a proliferação de larvas nas plantações, vendidos no país são ilegais. Para ele, uma maior rapidez no registro dos produtos pode ser uma das soluções contra o contrabando.

Uma legislação mais rigorosa e o aumento de diálogo com países vizinhos são estratégias que podem ajudar no combate ao contrabando neste setor.

Última modificação em Quinta, 13 Setembro 2018 23:20
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